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  • Foto do escritorEduardo Rosal

O que aprendi com João Cabral

[23.03.20]



Recentemente tive a honra de preparar para a editora Alfaguara (Grupo Companhia das Letras) a mais nova edição da Poesia completa, de João Cabral de Melo Neto. Uma edição que não só reúne toda a obra poética de Cabral ‒ com direito a dezenas de inéditos ‒, como também resolve os vários deslizes das edições anteriores. Finalmente o "arquiteto das palavras" ganhará uma edição arquitetada com seu mesmo cuidado e rigor. Um prazo curto e um trabalho que exigia uma atenção minuciosa resultaram em dias intensos. Imaginem o que é ler de uma só vez toda a obra poética de Cabral, atento a cada mínimo detalhe, cada espaço, vírgula, palavra, comparando poema por poema com edições anteriores etc. Uma experiência intraduzível: eu nunca o tinha lido assim, todo, de uma só vez e, para completar, encarregado de tamanha responsabilidade. Aprendi muito como escritor. Cabral é desses autores-mestres. Aprendi com João Cabral: a lição de lâmina e pedra, a matemática gramatical não só do verso, mas também a do olhar. Aprendi a beleza na ida e na volta, e não só a do rio ou da seca, de Recife ou Sevilha, mas a beleza da gramática única e concisa, que possibilita "falar forte mas sem febre". Revi a mão esquerda do destro Miró e revi a régua de Mondrian. Revi: rima, touro, o número quatro e outros números pares; o sol por dentro e por fora; "a sintaxe canavial,/ a prosódia de calor"; o vazio e o oco; a coisa, o silêncio artifício, o futebol e o flamenco; o risco do verso e o da tourada. Aprendi não a achar o verso, mas a procurá-lo. Em tudo procurá-lo: no ovo ou no sol, na pedra ou na lama, no urubu, na aranha ou no galo, no fato ou no tédio, no tempo-espaço ou na aspirina, na tradição erudita ou no popular. Mais: procurá-lo em tudo isso juntamente. Poetas e não poetas, leiam a Poesia completa de João Cabral de Melo Neto. Embora leitor do Cabral desde novo, nunca fui um total adepto dessa escola de facas, mas percebi que aqui e ali uso a mesma navalha, embora quase nunca a mesma régua. Para polir a pedra, muitas vezes usei a água. Hoje, uso mais ainda a fumaça. Em lugar do quatro, prefiro o equilíbrio misterioso do número três. Ele: anti-Neruda, anti-Char. Eu: ecos do surrealismo de Murilo Mendes. Quero agora o surrealizante que há na matemática, porque lendo, como li, o edifício-Cabral, ficou ainda mais claro que a forma, ao contrário do que se pensa, não prende; antes, liberta.




Fonte: https://www.facebook.com/Eduardo-Rosal-Escritor-108720470759417/?notif_id=1585081960517615&notif_t=page_invite_accept

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