Eduardo Rosal
CAPRICÓRNIO COM PEIXES

Curioso quanto aos mistérios da astrologia tão em alta, resolvi algum tempo atrás fazer meu mapa astral. Sou capricórnio com ascendente em peixes, entre tantos outros aspectos astrais, bem menos simplórios do que isso que apresento aqui. O que se diz a princípio sobre essa tensão terra-água é que a aparente frieza esconde um fundo sensível. Ou, em outras palavras: o mesmo ser que se mostra amável mas distante, na verdade se afasta de tudo para que a finura da sensibilidade implícita veja e se envolva com tudo que o cerca. Concordo discordando, quase que assumindo a discordia concors barroca ou o jogo dos contrários inconscientes dos surrealistas.
Eu sei que na astrologia há meandros complexos, eu sei. Mas prefiro falar em astros, sobretudo na química infinita dos astros, do multiverso e dos mundos sósias de Louis Auguste Blanqui. Gosto da ideia de que existem vários eus fazendo escolhas e tomando rumos diversos nos mais variados mundos sósias a este, como defende nosso amigo Blanqui. Mas esse papo é longo e louco, da melhor lonjura e da melhor loucura. De distante e louco todo mundo tem um pouco. Não acham? De qualquer forma, haverá outras ocasiões para enveredarmos por esse caminho. Vamos ao que importa agora.
Voltando aos astros do meu nascimento: graças à confluência entre a rigidez capricorniana e a sensibilidade pisciana, sou lâmina fina, que tanto corta quanto enverga. Mas o que é, afinal, essa “lâmina fina”?
No filme Imortal Beloved ‒ traduzido por Minha amada imortal ‒, do cineasta Bernard Rose, filme biográfico de Beethoven (não o famoso cão hollywoodiano, e sim Ludwig van Beethoven, o feroz compositor), deparei-me com a seguinte frase: “It is the finest blades that are most easily blunted, bent or broken” [as lâminas mais finas são as que mais facilmente cegam, se envergam e se quebram]. Essa imagem nunca mais me deixou, talvez pelo fato de me ter feito reconhecer que minha dureza facilmente se quebra, de tão aguda.
Tudo isso para dizer que choro. Por poucos motivos, escondido, mas choro. Alguns golpes de arte são certeiros. Já chorei com o John Lennon, mas não o de Londres; o daqui, o John Lennon da Silva, que se apresentou dançando “A morte do cisne” adaptada, por ele mesmo, para a dança de rua.
Se eu fosse vivo em 1917, assim como Murilo Mendes deve ter chorado, eu provavelmente também o teria feito ao assistir à dança de Nijinsky, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Mas isso tudo são hipóteses. O fato é que foi o Da Silva que me arrancou as tão escondidas lágrimas.
Outro golpe de lâmina (porque, sim, não me privo de ir do street dance à música erudita), é o “Prelúdio: modinha”, das Bachianas brasileiras, de Heitor Villa-Lobos, leitor de Bach e viola caipira, dos clássicos e dos Silvas. A cada vez que ouço Villa-Lobos me transformo, mesmo que por instantes, num ser humano melhor… e mais chorão.
Mas não é só a arte que me faz chorar. A vida, ou melhor, as vidas ‒ sobretudo as abafadas, apagadas, suprimidas ‒, também são motivo de choro, mas de uma outra lágrima, mais ardida e sem nenhuma beleza.
Eduardo Rosal
Fonte: https://www.facebook.com/eduardorosalescritor/
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