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  • Foto do escritorEduardo Rosal

MELANCOLIA E PRESSA

(Crônica vencedora do Prêmio Off Flip de Literatura 2022)



Vivo o embate entre a ansiedade e a acídia. Dito assim, pareço pesar a mão no drama, eu sei. O fato é que ao mesmo tempo em que a ânsia de viver me impulsiona — pantagruélico Proteu —, a morosidade, a preguiça e os dias na concha da transparência me fazem protelar toda a vida. Em outras palavras (coisa de mau cronista), tenho pressa de existir, mas quase sempre deixo para depois.


De qualquer forma, peço calma ao leitor que acaso se reconheça nesta página hermética. Não há motivos para culpas e julgamentos. A camisa de força da ambição às vezes também nos movimenta e nos revela portas para o molho de chaves que trazemos dentro. Mas é preciso cuidado para não sobredourar a nossa mediocridade de cada dia.


Não se engane, leitor, se houvesse um Prêmio Nobel da Preguiça, certamente eu me candidataria, e com grandes chances, mesmo sendo brasileiro e balbuciando meus silêncios em Língua Portuguesa. Porque, sim, o que fala na preguiça é o silêncio. Uns perguntarão, com todo o direito à filosofia: “Mas o silêncio não é um idioma universal?” Só sei responder silenciando.

A verdade é que sou um intenso leve. Dentro de mim tudo é velocidade, abismo e céu, mas fora sou só uma pele que lentamente se expõe ao sol, querendo sempre a sombra. Ou não querendo, a depender do humor e da umidade.


Como escreveu Jorge de Sena, vivo essa miséria de ser por intervalos. Ainda assim, feito uma criança que silenciosamente desenha num papel um sol qualquer sorrindo entre nuvens, mas dentro rasga o peito com a borracha do medo, eu sei que sei amar a vida e seus vestígios, seus convites. Eu sei que sei amar o sol implícito, não na chuva ou na noite, mas na presença das horas mais solares. O que sorri é a vida, que vibra com seus escuros e riscos, irônico escancarar dentado de goelas e outras fomes.


Desde menino aprendi a engolir a vida em grandes pedaços de silêncio. O que há de mistério nisso tudo é o cheiro que pode existir em cada instante. E como são bons esses breves momentos do olfato atento. O resto é nítido como esse misto de melancolia e pressa.

Permaneço como quem parte e escrevo como quem reparte, não as glórias da chegada, mas o processo invisível dos fracassos de quem vacila nas palavras, por ser humano.


Eduardo Rosal





Foto: Acervo do autor.




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