Resenha: De bem com a leitura
“Há sempre um anzol de palavras fisgando almas?”
Em O Sol Vinha Descalço o poeta Eduardo Rosal nos entrega poemas de excelente qualidade, para deleite dos amantes do gênero. São poemas que nos fazem refletir, é preciso parar para senti-los ao terminar a leitura e pensar naquilo que foi lido. As palavras utilizadas para compor cada um deles parecem ter sido escolhidas cuidadosamente, pensadas carinhosamente para proporcionar ao leitor momentos únicos.
Véspera Ontem
Noite. Deitado na cama
olho o silêncio das estrelas de plástico
que um dia meu pai colou no teto.
Quando nascer noutro qualquer lugar,
que minha avó me pegue pela mão.
Imagino uma aranha com esmero,
sozinha, tecendo a escuridão.
Talvez ela saiba: A partir de amanhã
não terei pai, mãe, irmãos, Ontem,
- tempo que habito? - mapas da pele,
almas
a um segundo dos outros.
para abafar
o estralar dos móveis da casa e
algumas conversas com o teto. Almas
- que poderei tocar? - fragilidade
que não quebra no peito.
Ontem... aqui,
agonias alheias... minhas: vozes no corredor,
dinossauros na janela, infância.
Ontem... século por vir.
Os poemas se completam, um dá continuidade ao tema que foi exposto anteriormente e todos formam um belíssimo cenário. A poesia concreta está bem presente nos poemas de Eduardo Rosal, eles estão estruturados de maneira irreverente. A escrita do poeta é marcante e ele fala sobre alguns assuntos, dentre eles posso destacar questionamentos sobre a vida, a saudade de tempos que temos na memória, indagações sobre o futuro e o amor pela família.
Mãe
Quantas vezes, mãe, o cheiro de alho em suas mãos.
O silêncio circundava as panelas no fogo. Continuo olhando.
Você temperava os dias. E eu aprendia o sabor da palavra amor.
O cheiro não te esqueceu. Mora nos meus dedos. Vivo só.
Aquém do que vivemos sou mãe de mim
e de tantos, em versos.
Eis aqui, mãe, nosso segundo parto.
Minha impressão
Eu gosto muito de poesias e ler uma obra com tamanha qualidade me enche o coração de alegria. Embora seja amante do gênero, não me considero grande entendedora, sou apenas uma pessoa apaixonada por poesias e que gosta de compartilhar esse amor e, quem sabe, incentivar outros leitores a darem uma chance a este gênero tão esquecido e– por vezes – vítima de preconceito. Então, quando surge a oportunidade de recomendar uma obra como essa e ainda mais sendo nacional eu fico muito feliz.
Sinto que me faltam palavras para falar sobre este livro, gostaria de conhecer mais do nosso vocabulário para fazer jus à obra, mas espero que com a minha humilde resenha eu consiga expressar um pouco do quanto eu gostei da leitura e da qualidade que o livro possui.
Quem nunca leu poesias ou que não curte muito pode sentir certa dificuldade com a leitura, ainda assim, para estes leitores, é uma ótima indicação para se aprofundar mais no gênero. Quem já gosta, certamente vai ter uma experiência prazerosa com esta leitura.
Resenha de Beatriz Andrade
Resenha: Valeu, Gutenberg!
Uma das minhas metas de leitura para 2020 era ler mais poesia. Por isso, fiquei muito feliz quando a Oasys Cultural me enviou O sol vinha descalço, elogiado livro de estreia do poeta carioca Eduardo Rosal.
Profundo e acessível
Em seus versos, Rosal transita por diferentes temas: a memória, o amor, o cotidiano, a condição humana… O sol e o silêncio são elementos recorrentes e, mesmo com a profundidade dos poemas, a linguagem do poeta não é rebuscada.
“Tenho tido tão pouco ódio
que chego a ter medo
de não estar sendo
o mais humano que posso.”
Muitos versos são inspirados por pequenos detalhes do dia a dia. Eduardo Rosal extrai poesia de objetos e momentos prosaicos, como a moeda caída no vão do sofá ou o chocolate que derrete na mão. Em "(In) Ação", ele questiona:
“Sou descobridor do que é inédito no óbvio?”
A resposta seria sim. E o poeta desvenda esse óbvio e o transforma em arte.
As corujas de Minerva
O livro é dividido em cinco partes, sendo a última, As corujas de Minerva, a minha preferida. Nessa seção, Rosal versa principalmente sobre a infância e sobre recordações dos pais, formulando imagens e sensações com as quais qualquer pessoa pode se identificar.
“A partir de amanhã não terei pai, mãe, irmãos,
para abafar
o estralar dos móveis da casa
e algumas conversas com o teto.”
Vencedor do Prêmio Maraã de Poesia de 2015, O sol vinha descalço é um ótimo livro. Reconheço que não sou um leitor assíduo de poesia e, por isso, não me proponho a discutir formas ou significados. Mas o talento de Eduardo Rosal com as palavras é evidente, assim como a beleza das imagens e das reflexões que ele constrói em seus versos.
Sendo assim, recomendo seu livro de estreia tanto para quem está começando a ler poesia, quanto para leitores veteranos que querem se aprofundar na obra de poetas contemporâneos.
Resenha de Lucas Furlan
Resenha: Pacote Literário
Olá, leitores do Pacote Literário!
Hoje venho lhes contar as minhas impressões sobre a leitura de O sol vinha descalço, publicado pela Editora Reformatório, recebido em parceria com a Oasys Cultural.
Eduardo Rosal, o autor, escreve sobre coisas simples presentes na rotina de qualquer pessoa, sobretudo retrata com muita sensibilidade a nostalgia da sua infância.
"ERRO
Se eu morrer
juro que não erro mais."
Como sabem, eu amo poesia e tenho o hábito de realizar esse tipo de leitura com certa frequência. Ao ler a sinopse, já esperava que seria um bom livro, no mínimo curioso. Mas esse livro é muito mais que isso: é simplesmente sensacional!
Falar poeticamente sobre fatos e coisas tão simples do dia-a-dia é algo muito complicado e difícil. Eduardo fez isso parecer fácil e corriqueiro! Ele fala de vida, sentimentos...
O autor ainda personifica alguns objetos e os fazem ser os sujeitos de alguns poemas, como a moeda que se esconde na quina do sofá.
O sarcasmo e a ironia também permeiam seus poemas, como em um poema que diz “Se eu morrer, juro que não erro mais.” Uma pequena frase tão repleta de significados, que fica difícil se arriscar a explicar. Todos erramos até o fim da vida, acostume-se com isso. Será que foi isso o que o autor quis dizer? São muitas as possibilidades de interpretações e as lições a serem retiradas da leitura.
Seus poemas ainda têm como tema Deus, afeto, medo e muitos outros que ele desvenda com muita singularidade e, sobretudo, com bastante leveza.
O coração bateu mais forte em algumas estrofes, as páginas me fizeram viajar junto dos trechos e relembrar minha infância, do gosto (e das expectativas) do natal e seus sabores e também de outras datas. Me deu saudade de quem não está mais aqui. E, claro, foi impossível não me emocionar entre as páginas e as memórias!
"HUMANO
Tenho tido tão pouco ódio
que chego a ter medo
de não estar sendo
o mais humano que posso."
Quando recebi o livro, vi que O sol vinha descalço foi vencedor do Prêmio Maraã de Poesia 2015 e me perguntei quais critérios baseiam a escolha de determinada obra como vencedora desse tipo de prêmio. Ao ler o livro, eu compreendi facilmente.
Eduardo não “força a barra” nas palavras, nas rimas nem nos temas tratados. A naturalidade com que coloca as palavras no papel me impressionou. Senti que ele não escreve “por escrever”. Me parece que ele escreve “por sentir”. E o leitor pode compartilhar desse sentimento em cada linha!
Emocionante, extremamente sensível, de fato um primor de poesia. Recomendo a todos!
E vocês, curtem poesias? O que acharam da resenha? Me contem nos comentários.
#PRACEGOVER: A capa do livro tem fundo preto, o título centralizado, a foto de uma janela aberta com a luz do sol e o nome do autor abaixo.
Resenha de Karla Samira
“O sol vinha descalço”: O óbvio e o raro na poesia de Eduardo Rosal
“Como conhecer Deus/e participar da vida? ”. Geralmente, tenho um pé atrás com poesias sobre uma genérica condição humana, desatrelada das contingências, da nossa “situação” especifica no mundo. Por isso, foi uma imensa surpresa a leitura de O SOL VINHA DESCALÇO (Editora Reformatório), de Eduardo Rosal, que recupera o teor meditativo e metafisico de uma Hilda Hilst ou de um Carlos Nejar (para mim, o maior poeta brasileiro vivo); não esquecendo Adélia Prado (só que ela trabalha mais explicitamente com signos do catolicismo ligados às contingências do cotidiano).
Rosal utiliza o verso interrogativo, perseguindo os rastros de Deus e o porquê do nosso existir. É a parte mais marcante da sua coletânea: “Somos solitários míopes/mendigando o mesmo espelho?/o mesmo espectro? ”. O ponto alto dessa interrogação incessante é o poema Deuses do qual tirei os versos que abrem esta resenha. Em todos, o mesmo objetivo obsessivo: “viajar de volta/ao fim/tão bem desconhecido”. Ou seja, uma viagem sem mapas pela galáxia da finitude do ser (para lembrar o saudoso Léo Gilson Ribeiro): “Nem onde/nem sina”.
Outra vertente muito cara ao modernismo em geral, e que poderia cair na banalidade epigonal, é a exploração da memória afetiva, especialmente da infância. Mesmo aí, O SOL VINHA DESCALÇO demonstra grande força imagética: “A memória é uma ilha/cercada de futuros”. Sol, sombra, fumaça, são invólucros para o exercício de rememoração, além do confronto com a divindade que nos marca com a morte: “A terra na mão/o menino brinca/gerações/e gerações/o silêncio/sabe de cor//Terra—/memória/que não esqueço/de apertar”. O menino tenta segurar os seus bens humanos diante do fato estrondoso de que somos irremediavelmente efêmeros: “Há um deus que/me persegue/com a morte no calcanhar/numa esquina qualquer/desiste/sem curvar a espinha/ao medo/me deixa passar/cede minha vez/a outro deus/(ou me ama?)”; ou ainda: “Para retornar ao pó/é preciso ser carne//O menino talvez tenha lido ou escutado//Guardou bem”.
Eduardo Rosal, apesar de jogos de palavras bastantes eficazes (“Amor—ternura política”, vejam que achado genial!), pratica uma poesia do “significado”, embora hoje em dia ainda se valoriza mais a poesia do “significante”, por conseguinte é maior ainda o seu feito: “Ser só/este rascunho/de fracasso?/um terraço/onde o sol não bate?”.
“Que não se enganem: sou todos//Nenhuma mudança me alcança/mas sou sempre outro//”, versos que lembram Fernando Pessoa. Mas com Eduardo Rosal é assim: mesmo lembrando outros poetas, ele se mantêm inteiramente pessoal, equilibrando apaixonadamente o óbvio e o raro: “Talhar o que escapa/inscreve o risco?/É óbvio e raro?//Ao passo que emerge/foge? E pressente/o passado?//Natimortos, vingamos/nas imagens – voláteis?/Depois da morte?//A fumaça se escreve/à nossa imagem/e semelhança?”.
O SOL VINHA DESCALÇO é um dos melhores livros deste início de século.
Resenha de Alfredo Monte

Pés leves, firme pisar. O sol vinha descalço, de Eduardo Rosal
Alguns dos maiores nomes da poesia brasileira dão a ver que a estreia de um poeta costuma passar pelo risco do que o futuro termina por revelar como indeterminação. Descartando seus primeiros livros, ou relegando-os ao lugar exclusivo do registro de uma fase incipiente, nomes como Mário de Andrade, Cecília Meireles e Ferreira Gullar, por exemplo, à altura da maturidade viram-se no passado como não gostariam de ser vistos no decorrer de suas produções. Com o avanço bibliográfico, eles e ela construíram poéticas com as quais suas estreias não se mostraram compatíveis, via de regra pela ingenuidade demonstrada no tratamento dado aos temas escolhidos.
Como citei autores do século XX, há especialmente nele, em se tratando da literatura brasileira, um outro risco de indeterminação autoral: uma vez que, ao longo do período, movimentos e estilos se estabeleceram com substantiva adesão, alguns poetas deram seus passos primeiros mais com pés alheios do que com próprios. Neste tópico, lembro o caso de José Paulo Paes, que mesmo já se apresentando com um livro intitulado O aluno, de 1947, foi advertido por Drummond numa conhecida carta: “[...] v. ainda não me parece v., ainda se procura através dos outros, quando é dentro de v. mesmo que terá de se encontrar [...]” (p. 35).
A alusão às duas possibilidades de insucesso é oportuna para tratar de O sol vinha descalço (2016), estreia de Eduardo Rosal na poesia. Por motivos óbvios, seria tolice afirmar que a obra há de permanecer na bibliografia do autor, algo a ser definido por ele e pelo tempo, e ambos são passíveis de movimentos radicais. Mas a autonomia verificável na escrita do poeta permite supor que o livro chega para ficar. O volume tem a chancela do Prêmio Maraã de Poesia 2015, e, mais do que isso, o que se vê ao longo de seus trinta e quatro textos – divididos em cinco seções – é uma escrita coesa, de tom preponderantemente leve:
Seus cabelos ensinam
o corpo do vento
como em desenho de criança
as asas dos pássaros
se confundem
às folhas das árvores.
(“Desenho”, p. 13)
A referida coesão se dá como consistência do conjunto, em que há variação sem dispersão, e também como procura consciente de um fazer poético autônomo. Se no século XX houve claras demarcações de terrenos estéticos, com protagonismo evidente em determinados momentos, este início de século XXI é poeticamente conhecido pela convivência de dicções diversas. Isto não significa, no entanto, que não haja tendências mais prestigiadas do que outras, ou mesmo traços de escrita, como a primazia da experimentação formal e a rarefação referencial. Nisso o livro de Eduardo Rosal dá mostras de autonomia, na medida em que seu fazer do verso é também o fazer do verbo, que desde o princípio é a vida: “A imagem que me vê / nos humaniza: / Você é o corpo e a calma / que me levam a Deus” (p. 35), diz a última estrofe de “Tanto”, belo feito do conjunto.
A fala preponderantemente marcada pela leveza não exclui seu revés, o que, caso acontecesse, talvez soasse indiferença aos gritos do mundo. Além das vertentes de atuação de Eduardo Rosal, o crédito do livro informa ser o autor oponente do fascismo, esta praga que, ao contrário das naturais, inventa e aumenta o agro e outros tóxicos. Em meio aos textos, destaca-se uma recusa às cifras da religiosidade mercadológica, bem como a percepção de certo desacerto próprio dos cidadãos que, embora refratários ao bruto estado de coisas, por vezes se sentem anestesiados pela banalização generalizada, tema de “Humano”:
Tenho tido tão pouco ódio
que chego a ter medo
de não estar sendo
o mais humano que posso.
(p. 22)
Signo e símbolo recorrente na obra, já inscrito no título e no texto inicial – “Da costela do afeto” –, o sol é promessa e sinal concreto de afeição. Seja como elemento central da memória infantil (“Agora”, pp. 79-82), seja como correlato do retorno do pai que preenche a casa de luz e de ternura (“Chegada da África”, pp. 71-3), o sol faz par com a leveza tão própria aos pés que se descalçam de atribuições ordinárias, que esfolam e calejam. Trata-se de bela e oportuna metáfora, portanto, para dizer do próprio livro de Eduardo Rosal: leve e discreto, por isso de pés descalços; de presença marcante e tocante, por isso solar – “Cada janela é uma canção / de saudade / futura / como o sol” (“Da costela do afeto”, “III”, p. 15).
Resenha de Marcos Pasche
AS HORAS, Alex Andrade, Penalux: Personagem tentando enfrentar a solidão e o abandono, numa coletânea de contos que mostra a evolução do autor carioca;
LITURGIA DO FIM, Marilia Arnaud, Tordsilhas: Um confronto com o passado resulta num dos romances mais lindos dos últimos tempos, em linguagem e densidade;
PASSOS AO REDOR DO TEU CANTO, Maria Carolina de Bonis, Patuá: A poesia atual em pleno vigor, como, de resto todos os gêneros;
A UTÓPICA TERESEVILE, André Jorge Catalan Casagrande, Garimpo: Romance que revela um episódio histórico praticamente desconhecido;
O INSTANTE-QUASE, Juliana Diniz, 7Letras: O melhor livro de contos de 2016, simplesmente brilhante;
ESTAÇÃO DAS CLÍNICAS, Iacyr Anderson Freitas, Escrituras: O leitor ri e chora com as mazelas do corpo em relação ao “espírito”;
ROTEIROS PARA UMA VIDA CURTA, Cristina Judar, Reformatório: Uma Alice pós-moderna nos levando para uma assustadora hiper-realidade;
A VISTA PARTICULAR, Ricardo Lísias, Alfaguara: A exuberância criativa do autor, transforma um artista “distraído” num arauto da sociedade do espetáculo. Genial;
GALVEIAS, José Luís Peixoto, Companhia de Letras: O grande escritor português e seu romance mais intrigante, sempre mostrando o “atraso” na vida rural de seu país;
AMORA, Natalia Borges Polesso, Não Editora: Premiada coletânea de contos que giram em torno do lesbianismo, porém vão muito além da temática;
OUTROS CANTOS, Maria Valéria Rezende, Alfaguara: Talvez a obra-prima da autora sobrepondo vários estágios da sua vida e do sertão;
VÉSPERA DE LUA, Rosângela Vieira Rocha, Penalux: Romance de 1989, pioneiro de muitas práticas da atualidade;
O SOL VINHA DESCALÇO, Eduardo Rosal, Reformatório: O melhor livro de poemas de 2016;
COMO SE ESTIVÉSSEMOS em Palimpsesto de Putas, Elvira Vigna, Companhia de Letra: Simplesmente, o livro do ano, sem nenhuma chance para qualquer outro;
FALSO TRAJETO, Fabio Weintraub, Patuá: Uma poesia que parece opaca exigindo várias releituras, que a tornam fascinante.
Resenha de Alfredo Monte
